vendredi 3 avril 2009

Meu português ruim


Durante toda a minha vida tive sérios problemas com a língua portuguesa. Lembro-me, contudo, do exato momento em que as dificuldades se transformaram em ojeriza à disciplina de mesmo nome. O fato ocorreu na 8ª série do ensino fundamental, quando a ilustríssima professora, que tivera sua sanidade mental afetada por alguma droga pesada, resolveu propor aos alunos a produção de uma dissertação em grupo.
Estávamos, então, descobrindo os mistérios deste gênero (textual) que enlouquece vestibulandos ainda hoje e torna a intenção da “educadora” ainda menos compreensível. Afinal, é de conhecimento geral que trabalhos em grupo, sobretudo em escolas, tendem a não funcionar como deveriam, pois, o peso do exercício fica, via de regra, com apenas um (ou dois) integrante(s). Neste caso, comigo mesma.
Todavia, minha ingenuidade e empolgação fizeram com que, naquele momento, desfrutasse (de verdade) a tarefa sem me importar com a falta de participação dos colegas. Inspirada, como estava, fiz o maldito texto buscando construí-lo seguindo todos os preceitos dos manuais de redação: introduzir o assunto propondo a ele a elucidação dos aspectos positivos e negativo, fazendo seu fechamento com minha opinião.
O resultado fora, ao meu ver, tão satisfatório que mostrei o trabalho para toda a família. Sujeitando-o a crítica do meu irmão, considerado pelos professores (na época) um excelente “escrivinhador”. Com a redação aprovada pelo núcleo familiar, fui para escola super confiante, certa de que nada poderia dar errado.
Lá chegando, descobri que a atividade não terminava com a entrega dissertação, mas com um debate, o qual trataria dos erros e acertos de cada grupo. Para minha surpresa, o texto recebeu críticas de integrantes do meu próprio núcleo. Os quais “denunciavam” a inadequada elaboração dos parágrafos entre outras discussões infundadas.
Por óbvio, defendi até o fim a estrutura de minha argumentação textual. Pois, certa estava de que minha redação constava entre as duas únicas corretamente formatadas. A correção de apenas dois dos textos produzidos foi revelada, no início da aula, pela docente que, entusiasmada, elogiou apenas um dos grupos. Sem declarar, no entanto, qual seria o outro a cumprir de forma adequada a tarefa.
Curiosa, questionei a professora quanto ao outro texto que estaria correto, para assim descobrir se, de algum modo, havia cometido erros e como poderia corrigi-los. Porém, ela recusou-se a revelar a procedência da segunda redação e contestou meu interesse pela autoria da mesma. Chegando a dizer que eu não deveria importuná-la, pois, ela não a revelaria e não seria eu tal autora.
Voltei para a casa revoltada com o descaso (para não dizer incompetência ou falta de didática) da docente e com ainda mais implicância com a disciplina, jurando nunca voltar a me dedicar daquela forma a ela (disciplina).
Contudo, algumas semanas depois, no dia da entrega de boletins, minha mãe fora surpreendida com os elogios que a professora fazia a mim e a minha redação. Ciente, como estava, minha mãe questionou a professora sobre o porquê dela não ter dispensado a mim tais elogios, já que eu teria sido a autora do melhor texto. No que a docente respondeu: Não lhe revelei a autoria por considerar que ela “se acharia” demais!
Não recordo o final deste diálogo, mas me revolto cada vez que o narro. Pois, além de preconceituosa, ela ainda desestimulou alguém que teria potencial para produzir textos cada vez melhor, buscando sanar falhas.
Por ironia do destino, ainda que preferisse (desde então) os números, me apaixonei pelo jornalismo – mesmo sofrendo sempre que revisava meus textos, pela quantidade de erros gramaticais neles encontrados – e hoje, formada, me dedico ao curso de letras. Somente agora, tendo aulas de linguística, posso me considerar menos traumatizada, com meu desleixo no decorrer do ensino médio, por comprovar que a gramática, apesar de importante, não (des)qualifica ninguém. Afinal, os linguistas são os primeiros a criticar a incompatibilidade do que (não)se aprende na escola com o seu uso no dia-a-dia. Não fosse aquela maldita professora, talvez eu descobrisse tudo isso muito antes.

Ilustração: Orlanderli