samedi 30 août 2008

TELAS DO EFÊMERO : A COMPOSIÇÃO DE VITRINES

(sim, isso é um artigo!)

1. INTRODUÇÃO

Os contrates existentes, nas grandes cidades, entre o centro e os bairros, são notórios, ainda que tratemos de assuntos que fogem ao óbvio – das diferenças arquitetônicas, de limpeza etc – e passemos a analisar os produtos, digamos, mais efêmeros, como os relativos à moda. Todos sabemos que cada local tem seus próprios códigos e modos de vida. Parece relevante, no entanto, tentar traçar um paralelo entre estes dois ambientes e buscar identificar os preceitos que cada um deles utiliza, quando se trata de vestuário.
Para tanto, optamos pela análise de vitrines de lojas de roupas e calçados, tendo como referência a cidade de Porto Alegre. A escolha dos estabelecimentos se deu de forma aleatória, com a preocupação apenas deles estarem nas ruas (lojas de rua), não dentro de shopping centers, e haver a possibilidade de comparação entre os existentes no centro da capital e em um bairro nobre, aqui ilustrado através do Moinhos de Vento.
Assim, o presente artigo trará quatro fotos que ilustrarão os aspectos de composição e propostas das vitrines. Não nos deteremos, porém, aos objetos e conceitos que possam ser vistos nelas – já que para tanto seria necessária a exposição de um material muito mais extenso –, o que significa que algumas abordagens não terão comprovação visual.


2. TELAS DO EFÊMERO : COMPOSIÇÃO DE VITRINES

As vitrines são importantes meios de sedução dos consumidores, uma montagem que concentra inúmeras áreas que se fundem para criar uma imagem cujo propósito é gerar prazer por alguns segundos" (DEMETRESCO, 2001: 25). São elas as responsáveis pela captação da atenção de potenciais compradores. Para a doutora em Comunicação Semiótica Sylvia Demetresco (2001: p. 15), “uma vitrina deve seduzir o olhar instantaneamente na sua apresentação, de forma a sensibilizar determinado sujeito”. Contudo, é preciso estar atento às transformações ocorridas no último século, quanto ao papel das roupas na construção da identidade pessoal. “O consumidor, agora, seleciona ativamente ao invés de responder passivamente ao que está disponível (CRANE, 2006: p. 455). Portanto, mais do que produtos atraentes, é preciso apresentar “argumentos” suficientes para que o sujeito tenha a necessidade de entrar na loja e adquirir mais “informações” a respeito do que está exposto.
Assim, um bom questionamento para análise parecer ser: como os estabelecimentos comerciais do centro e dos bairros nobres codificam tudo isso? Ou ainda, de que forma eles constroem suas vitrines e que reações esperam do público, além da óbvia compra?
Através de um passeio por duas das mais tradicionais ruas de Porto Alegre: Andradas (no centro da capital) e Padre Chagas (no bairro Moinhos de Vento); fica claro todo o processo de diferenciação entre os dois ambientes. O inverno tardio, de 2008, acabou tendo um papel importante na construção desta apreciação, já que, temendo que as peças de inverno ficassem encalhadas nos estoques, as lojas anteciparam suas costumeiras promoções de final de estação.

A lógica organizacional instalada na esfera das aparências na metade do século XIX difundiu-se, com efeito, para toda a esfera de bens de consumo: por toda parte são instâncias burocráticas especializadas que definem os objetos e as necessidades; por toda parte impõe-se à lógica da renovação precipitada, da diversificação e da estilização dos modelos. Iniciativa e independência do fabricante na elaboração das mercadorias, variação regular e rápida das formas, multiplicação dos modelos e séries – estes três princípios inaugurados pela Alta Costura não são mais apanágios do luxo do vestiário, são o próprio núcleo das indústrias do consumo (LIPOVETSKY, 2003: p. 159).

Desta forma, um componente adicional foi trazido para a pesquisa. A palavra de ordem é: liquidação. Os descontos e termos que derivam dela pululam por toda à parte. Onde quer que seus olhos parem, lá estarão elas em grandes letreiros que, por vezes, ocupam completamente o espaço de exposição das mercadorias. Verificam-se, também, principalmente nos bairros nobres, o emprego de estrangeirismo para anunciá-las. Assim, palavras como Sale ("liquidação") e OFF ("fora") – sempre acompanhada de uma percentagem – tornam-se comuns. Ainda que nem todos saibam os seus significados reais, muitas lojas, mesmo as localizadas no centro da cidade, utilizam-se deste artifício, que acaba sendo assimilado pela população em decorrência de seu uso freqüente.
O diferencial, neste aspecto, entre os dois ambientes é que, no centro, por maiores que sejam os letreiros indicativos de promoções, eles nunca impedem a visão completa do produto, ainda que a dificultem. Já no Moinho de Vento, algumas lojas optam por esconder totalmente a mercadoria. Ou seja, eles ignoram a possível atração do consumidor pelo produto e tentam fisgá-lo através do apelo financeiro, com descontos que podem chegar a 70% sob o valor da compra. Espera-se, portanto, que ao se defrontar com tal incentivo ao consumo, o possível cliente entre na loja para conferir os produtos e se entregue ao poder de persuasão das atendentes que farão de tudo para que ele não saia dali de mãos vazias.
As questões econômicas parecem ser, por sinal, as de maior influência na construção de vitrines no centro da cidade. As lojas mais populares chegam a expor letreiros enormes com as cifras no valor do objeto, espalhando a mercadoria em grande quantidade, sem muita preocupação estética, veja ilustração 4. Os manequins de roupas são, via de regra, agrupados de forma paralela e exibem as tendências divulgadas pelas novelas ou por celebridades – ainda que nem sempre sejam felizes nesta tarefa – como podemos ver na ilustração 1.
No Moinhos de Vento, por sua vez, os preços só aparecem por determinação do Código de Defesa do Consumidor
[1] e, ainda assim, procura-se deixá-los o menos visível possível, como podemos ver na ilustração 2. As lojas se preocupam mais com a criação do ambiente do que em mostrar a roupa. Eles ‘desejam’ vender atitudes, não apenas vestuário; estratégia já reconhecida pela pesquisadora Sylvia Demetresco: “a leitura de uma vitrina sugere um modo de vida, um uso diferenciado de um produto ou uma nova possibilidade de ver um artigo usual” (2001: p. 14). Deste modo, como vemos na ilustração 3, os manequins são postos de forma quase que interagindo entre si. Eles estão totalmente vestidos e usam acessórios que facilitam a composição do ambiente de interação.
Em outro caso, infelizmente sem ilustração neste artigo, no meio de dois manequins, são expostos vários cabides e algumas camisetas com a intenção de criar quase uma forma de arte. Um design que levará o passante a parar e se perguntar: qual é a proposta daquilo? E, se o agradar, de repente leve-o a entrar na loja e descobrir os estilos de roupa que aqueles cabides escondem e se elas combinam com seu modo de vida ou não. Pois, “através da moda e da indumentária é que nos constituímos como seres sociais e culturais, e que decodificamos o nosso milieu social e cultural” (BARNARD, 2003: p. 64).

Ilustração 1: Loja localizada na Rua dos Andradas, centro de Porto Alegre: preços sempre bem visíveis, pouco interesse estético.


Ilustração 2: Loja localizada na rua Padre Chagas, bairro Moinhos de Vento: preocupação com a composição do ambiente


Ilustração 3: Loja localizada na rua Padre Chagas: preços quase invisíveis, descontos em destaque.


Ilustração 4: Loja localizada na Rua dos Andradas: preços em destaque, mercadorias aglomeradas


3. CONCLUSÃO


“A sociedade de consumo”, que se classifica, segundo o sociólogo Gilles Lipovetsky, pela “elevação dos níveis de vida, abundância das mercadorias e serviços, culto dos objetos e dos lazeres, moral hedonista e materialista” (LIPOVETSKY, 2003: p. 159) estruturada no processo de moda, nos levará inexoravelmente a busca pelo prazer, ainda que momentâneo, esteja ele na apreciação do belo ou na obtenção de mercadorias com preços abaixo da média.
Assim, “exposto num espaço comercial, rodeado de um cenário inusitado, o produto entra no mundo dos consumidores, que, enquanto observadores, investem neles determinados valores” (DEMETRESCO, 2001: p. 13) e procuram adquiri-los, por vezes, mesmo quando não teriam condições para isso. Portanto, ainda que existam diferenças de elaboração e subsídios para a persuasão do consumidor, o fator econômico ainda é a principal influência para a organização de vitrines. A sociedade centrada na expansão das necessidades é, antes de tudo, aquela que reordena a produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação, aquela que faz passar o econômico para a forma da moda” (LIPOVETSKY, 2003: p. 159).

[1] É obrigatório por lei informar aos consumidores de maneira clara, precisa e ostensiva o valor à vista dos bens ou serviços, conforme determina o Código de Defesa Do Consumidor (Lei nº 8.078/90). A lei federal nº 10.962/04, que regula a afixação de preços em todo o território nacional. http://www.sincopecas.org.br/noticias/?COD=696


4. REFERÊNCIAS

BARNARD, Malcolm. Moda e comunicação. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

CRANE, Daiana: A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo, Senac, 2006.

DEMETRESCO, Sylvia. Vitrina, construção de encenações. São Paulo: Senac, 2001.

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.


OBS: Escrevi este artigo para minha Pós em Moda, Criatividade e Inovação (SENAC-RS), no primeiro semestre deste ano. Não posso dizer que ele ficou como gostaria, meus conhecimentos são um tanto limitados (por enquanto). Ainda assim, a professora achou interessante e disse que deveria postá-lo por aqui. Aceitei a dica e resolvi compartilhá-lo. Espero que gostem.

5 commentaires:

pianistaboxeador21 a dit…

Não conheço muito do assunto,mas gostei do texto, que é sempre muito claro e bem escrito. Uma coisa na qual vou prestar atenção de agora em diante é essa história das vitrines. Eu sigo as ofertas tb, mas procuro sempre um jeans, um tênis e uma camiseta sem estampas. Quanto mais baratos forem estes apetrechos, melhor pra mim.
Abraços,
Daniel

pianistaboxeador21 a dit…

Ingrid, comentei este teu texto outro dia. Não sei se fiz alguma coisa errada e o comentário não saiu, ou se vc não gostou do comentário. Só me tire essa dúvida, caso tenha se perdido, o meu textinho, escrevo outra vez.

Abraço,

Daniel

Ingrid Guerra a dit…

Daniel, desculpe a demora para publicar seus comentários. Estou super atrapalhada esta semana. Grande abraço.

Marcia Barbieri a dit…

Ingrid,
muito obrigada por suas leituras,são sempre pertinentes.Eu entrei aqui e já dei uma olhada no texto,desde que postou,mas esses dias estão corridos,então,não deu tempo de ler tudo. Amanhã,o dia estará mais calmo e escrevo direitinho.
Beijos
Marcia

Marcia Barbieri a dit…

Ingrid,
obrigada pela atenção. O texto é muito interessante,eu é que não entendo sobre o assunto.Mas me veio à cabeça textos literários,as vitrines são sempre usadas,me lembrei de Camus,Saramago. Outra coisa que me lembrei foi da diferença das vitrines do centro e das periferias.Quando passopelaavenida paulista fico boquiaberta,todos osmanequins tem cabelo,enqto na periferia sãoimprovisados cabidesequando temmanequim,eles são carecas.Que diferença!!!Belo texto,nos faz refletir bastante e dá pano pra manga.
Eu já te linkei no meu blog. Na verdade, achei que você já estivesse linkada,pq.às vezes, entro pelo blog do Daniel.
Beijos e aprecio sempre seus textos e seus comentários também