mardi 26 mai 2009

Os erros do meu português ruim

ENSAIO (ou suposto...)

Toda vez que Roberto Carlos canta Detalhes, imediatamente lembro de mim. Ao contrário do que possa parecer, não há nenhuma conotação amorosa nessa afirmação. Jamais abandonei amor algum para, posteriormente, me lamentar por sua ausência. A identificação se dá através do verso “os erros do meu português ruim”, visto que sempre considerei o meu um péssimo português. Foram necessários mais de vintes anos de vida escolar e acadêmica para entender que nem eu, nem Roberto Carlos poderíamos – ainda que cometêssemos os piores erros da gramática normativa – ser considerados detentores de um mau português.
As noções obtidas nas aulas de lingüística foram essenciais para desmistificar todos aqueles pré-julgamentos impostos pela sociedade desde a época da escola. Após anos de submissão a eles, não se poderia esperar outra reação senão o espanto ao descobrir que “do ponto de vista científico, simplesmente não existe erro de português” (BAGNO, 2008, p.149) para falantes que possuem este como língua materna. Segundo Marcos Bagno – doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) – em seu livro Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz, “todo o falante nativo de uma língua é um falante plenamente competente desta língua, capaz de discernir intuitivamente a gramaticalidade e a agramaticalidade de um enunciado, isto é, se o enunciado obedece ou não as regras de funcionamento da língua” (Ibidem).
Portanto, todas aquelas regrinhas aprendidas no colégio e a irritante tarefa de buscar nas ruas provas concretas da incompetência ortográfica da população brasileira, tratavam-se, na verdade, de equívocos, frutos da má qualidade do ensino no país. Bagno defende que “saber ortografia não tem nada a ver com saber a língua. São dois tipos diferentes de conhecimento. A ortografia não faz parte da gramática da língua, isto é, das regras de funcionamento da língua” (2008, p.156), o que acaba por evidenciar a existência de “um fosso entre aquilo que querem impor de cima para baixo como ‘português correto’ e o que o povo efetivamente usa, tanto oral quanto graficamente” (COUTO, 1986, p.8). Afinal, há “uma enorme diferença entre estruturação formal de uma língua, que naturalmente estabelece formas regulares, de uma regulação que tenta se impor como padrão” (BRITTO, 2002, p. 54) desclassificando as variações pertencentes a ela.

Se observarmos alguns fatos do português contemporâneo verificaremos que as formas consideradas “erradas” são freqüentes, mesmo na fala de pessoas cultas, ocorrendo de forma bastante variável em alguns casos, como nos exemplos a seguir: (1) “Fui no Ibirapuera”; (2) “Ela foi na feira”; (3) “Quero ir a Bahia”; (4) “Nunca fui ao Maracanã”; (5) “Vá já para casa”. Nestes casos, segundo a tradição gramatical [normativa], o verbo “ir de movimento” deve ser empregado apenas com as preposições a e para, observando-se para a escolha uma diferença sutil de sentido: a introduz numerosas circunstâncias, como movimento ou extensão; para indica movimento, direção para algum lugar com a idéia acessória de demora ou destino (PETER, 1999, p. 20-21).

Todavia, mesmo os chamados “falantes cultos” as substituem pela preposição em ao se expressarem, e nem por isso a comunicação é frustrada. É por este motivo que Bagno contesta: “como é possível falar de ‘erro’ se a construção não causa estranheza a falantes cultos e é perfeitamente assimilada do ponto de vista semântico e pragmático, se não há nenhuma ambigüidade em sua interpretação?” (2008, p.138). É necessário, então, adotar uma nova postura para entender que

a aceitação da variação lingüística implica a aceitação da diferença e a busca de uma concepção mais adequada de língua e de ensino de língua. Uma concepção que não se restrinja a privilegiar uma única variedade de língua como a única certa, bela e real. Uma concepção de língua que reconheça que, na prática diária dos falantes, a variação é a regra, no sentido de constante flexibilidade no uso dos recursos lingüísticos em busca da intercompreensão, da sintonia entre interlocutores, do ajuste às situações em que as pessoas se encontram e das formas mais adequadas de alcançar seus propósitos comunicativos e suas representações sociais” (ZILLES, 1999, p.90).

Para tanto, “não se pode ignorar as diferenciações espaciais, temporais e sociais que toda língua de sociedades complexas apresenta” (COUTO, 1986, p.13). Conforme a professora Ana Maria Stahl Zilles, “é só pelo reconhecimento da realidade lingüística que se pode superar uma violência constantemente repetida em nossa sociedade: a de fazer crer à maioria dos brasileiros que eles não são capazes de aprender sua própria língua, menos ainda qualquer outro conteúdo” (ZILLES, 1999, p.90). Até porque o problema não está nos falantes, mas, como salienta Bagno, “certamente está no modo como se ensina português e naquilo que é ensinado sob o rótulo de língua portuguesa”. (BAGNO, 2008, p. 134). Para que haja, de fato, uma instrução, o professor precisa buscar

uma relação mais honesta com seus alunos, que lhes permita respeitá-los e ajudá-los a construírem, com base na sua identidade pessoal – da qual a língua é parte necessária – uma representação de si mesmos como seres capazes de aprender e de criar, para que exerçam seu direito à cidadania e participem da construção de uma sociedade mais humana. Espero que este caminho possibilite que nossos alunos não se sintam ameaçados pelo que lhes queremos ensinar, pois não se trata de impor uma única variedade de língua, de substituir seu dialeto pela língua padrão ou de ameaçar sua identidade pessoal. Temos que ser capazes de, conhecendo a realidade, promover o que se convencionou chamar de ensino produtivo da língua, que capacita o aluno à flexibilidade no uso, ao desenvolvimento de sua competência comunicativa. (ZILLES, 1999, p.103).

Com a construção desta sociedade mais humana, que respeita as variedades lingüísticas, ninguém mais seria lembrado pelos erros de seu português ruim, mesmo porque a noção seria outra e detalhes tão pequenos quanto um deslize ortográfico não trariam prejuízo algum ao desenvolvimento social e intelectual do indivíduo. O único prejudicado seria Roberto Carlos por ter, assim, um motivo a menos para ser lembrado pela amada.

REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico, o que é, como se faz. São Paulo. Edições Loyola, 2008.

BRITTO, Luiz Percival Leme. À sombra do caos: ensino de língua versus tradição gramatical. Campinas. Editora Mercado de Letras, Coleção Leituras do Brasil. 1997

COUTO, Hildo H. O que é português brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1986.

PETER, Margarida. Linguagem, língua, lingüística. In: J. L. Fiorin (org.): Introdução à lingüística: I Objetos teóricos. São Paulo, Contexto, 2004.

ZILLES, Ana Maria Stahl. Algumas características do português no Brasil. In: P.C. Guedes (org.) Ensino do português e cidadania. Porto Alegre: PMPA, SMED, 1999.

Detalhes (composição Roberto E Erasmo)

Não adianta nem tentar me esquecer
durante muito tempo em sua vida eu vou viver

Detalhes tão pequenos de nós dois
são coisas muito grandes pra esquecer
e a toda hora vão estar presentes
você vai ver

Se um outro cabeludo aparecer na sua rua
e isso lhe trouxer saudades minhas, a culpa é sua
o ronco barulhento do seu carro
a velha calça desbotada ou coisa assim
imediatamente você vai lembrar de mim

Eu sei que um outro deve estar falando ao seu ouvido
palavras de amor como eu falei, mas, eu duvido
duvido que ele tenha tanto amor
e até os erros do meu português ruim
e nessa hora você vai lembrar de mim

A noite envolvida no silêncio do seu quarto
antes de dormir você procura o meu retrato
mas na moldura não sou eu quem lhe sorri
mas você vê o meu sorriso mesmo assim
e tudo isso vai fazer você lembrar de mim

Se alguém tocar seu corpo como eu, não diga nada
não vá dizer meu nome sem querer à pessoa errada
pensando ter amor nesse momento, desesperada, você tenta até o fim
e até nesse momento você vai lembrar de mim

Eu sei que esses detalhes vão sumir na longa estrada
do tempo que transforma todo amor em quase nada
mas quase também é mais um detalhe
um grande amor não vai morrer assim
por isso, de vez em quando você vai
vai lembrar de mim

Não adianta nem tentar me esquecer
durante muito e muito tempo em sua vida eu vou viver


Ilustração: Daily Candy

dimanche 24 mai 2009

Inversamente proporcional

Por mais antagônico que possa parecer, minhas notas (em provas, trabalhos e assemelhados) são, em geral, inversamente proporcionais ao prazer que tenho com a disciplina. Parece-me que quanto maior for meu empenho em aprender a matéria, menor será meu coeficiente de aproveitamento nas avaliações. Incrível. Advêm daí minha implicância a estes métodos arcaicos.

Ainda assim, posso dizer que sou uma pessoa feliz e que não me importo mais com os valores que serão anexados ao meu histórico escolar. Sobretudo porque a UFRGS trabalha com conceitos (ao invés de notas). E sim com a quantidade de informação que consigo absorver e transformar em conhecimento.

O que me irrita um pouco é o fato de conseguir tirar 8 em uma prova de lingüística tão maravilhosamente fácil. Tudo pela minha irritante mania de querer ir direto ao ponto, mesmo quando não sei a que ponto devo chegar. Aliando-se a isso a maldita tensão por estar sendo avaliada. O resultado é típico: errar aquilo que tenho maior domínio. Não é frustrante?! Mais... c’est ma vie!


Ilustração: orlanderli

jeudi 7 mai 2009

Impossibilidades


Gente, semana de provas na faculdade, trabalho da pós pra fazer.. muita coisa pra ler, não tô dando conta! Acabo abandonando o blog e as leituras dos blogs-amigos. Uma lástima, mas eu voltarei. Me aguardem. Prometo visitas em breve. Enquanto isso, compartilho com vocês duas canções que tenho ouvido muito. Quem gostar, procure o CD My Maudlin Career, do Camera Obscura! Vale muito a pena!

French Navy!


My Maudlin Career!